Mickey 17 (2025): Delirante, Bong Joon-Ho faz parecer nojento qualquer suco de goiaba
Após o apoteótico trajeto de prêmios e bilheteria, há alguns anos, com o fantástico “Parasita”, Bong Joon-Ho traz uma roupagem mais hollywoodiana para as suas perspectivas sociais. O impacto, de cara, é mais singelo, resgatando substâncias criativas da ficção científica presentes na própria filmografia: “The Host” (2006), “Snowpiercer” (2013) e o mais recente “Okja” (2017).
Imagine que a Terra está em um caos irreparável: fenômenos naturais acachapantes, descrença política e crise moral popular. Assim, Kenneth Marshal (Mark Ruffalo) toma a dianteira para revolucionar o meio da pesquisa e da tecnologia, oferecendo vagas peculiares para homens e mulheres no espaço, como, por exemplo, a função de “descartável” científico. Mickey Barnes (Robert Pattinson), sem família ou filhos, vê a oportunidade com bons olhos: morrer e ter sua consciência reproduzida novamente em um novo corpo, impresso por máquinas. Seu caso proibido com Nasha (Naomi Ackie) vai bem, e a rotina se mantém dolorosa e cíclica até o décimo oitavo Mickey nascer.
O espírito de cobaia permeia a atuação de Robert Pattinson, que está eletrizante em um ambiente onde morrer significa sobreviver — as reimpressões parecem ter danificado sua criticidade e torrado seus miolos. A tese é didática quando se fala de descartabilidade nas relações sociais, brincando com o script de respeito à natureza e a arrogância humana como arma de extermínio, exploração e corrupção, perceptível nas interpretações satíricas de Mark Ruffalo, Toni Collette e Steve Yeun, respectivamente. A exploração do proletariado é a camada mais profunda e potente que a obra alcança, principalmente quando vemos Mickey e Nasha juntos em cena.
Visualmente, o filme se destaca por angulações características do realizador sul-coreano, com um design em antítese: os seres “ameaçadores” são personificados pelos instintos e os humanos, zoomorfizados pelas atitudes. Esses mesmos traços curiosos associam-se à saga “Star Wars”, de George Lucas, primeira geração, e às comédias de ficção científica da virada do século, como “MIB: Homens de Preto”, só que com a autoralidade crítica marcante do diretor.
Inspirado em delírios e no cinema clássico da comédia de ficção científica, com traços imperdíveis de Bong Joon-Ho em um cinema menor, “Mickey 17” importa e diverte, mesmo sem surpresas, fazendo parecer nojento qualquer suco de goiaba.

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